Sobre o consumo impulsionado pelo Instagram
Sair de São Paulo me fez descobrir que 90% das coisas que eu comprava era para tentar emular a vida de alguma influencer que eu seguia
A reflexão para esse post começou de forma inocente: vi alguém que eu sigo postando uma salada da Olga Ri, um restaurante de São Paulo com saladas que custam cerca de R$ 55. Lembrei da vez em que eu, que mal comia salada, fiz um pedido lá porque “todas as garotas legais que eu seguia pediam”. Pode rir, vai. Pronto? Então, como elas tinham um estilo de vida que eu não só admirava, como tentava emular, confiei cegamente em seus critérios e, em um dia de indecisão diante do extenso cardápio do delivery, pedi a supracitada refeição. Fiquei frustrada, óbvio. Primeiro porque eu não soube o que pedir uma vez que eu não comia salada. Segundo porque todo mundo odeia gastar dinheiro em comida ruim. E terceiro: porque eu fiz esse pedido tentando me encaixar.
E aí vem a pergunta: me encaixar onde? Em quê?
O filósofo francês René Girard tem uma teoria sobre o “Desejo Mimético", que diz que “uma vez que as necessidades básicas das pessoas estão satisfeitas, elas desejam o que as outras pessoas desejam. Para despertar o desejo por algo, basta convencer a pessoa de que tal coisa já é cobiçada por alguém com algum tipo de status. Logo, o prestígio do mediador passa para o objeto desejado e lhe confere um valor ilusório.” Bingo!
Desde que me mudei de país, percebi que meus impulsos por intervenções estéticas diminuíram drasticamente. Desde que moro aqui, eu não pensei nenhuma vez em colocar botox - algo que eu já estava pesquisando avidamente enquanto morava na capital paulista. Minhas compras também diminuíram muito, mesmo eu tendo uma H&M do lado de casa e com promoções que realmente valem a pena. Até Maria Clara foi impactada por essa nova onda: enquanto, em São Paulo, eu fazia compras semanais, agora a Dona Pititica só ganha novas roupas quando as suas pedem arrego. Em um ano, eu literalmente só comprei coisas que eu precisava.
É claro que o fato de eu ganhar em real e gastar em dólar ajuda nesse novo comportamento, mas essa economia é bem menos racional do que eu gostaria. Percebi que, como eu não poderia mais pertencer ao grupo que eu tentava fazer parte, entendi que comprar ou não o que todo mundo estava usando não fazia a menor diferença porque eu estava longe. Eu não sei o que “as garotas legais” de Vancouver usam, então não tento copiá-las. Ao mesmo tempo, eu não me importo mais com o que “as garotas legais” de São Paulo gostam porque eu não estou mais ali. A distância me mostrou que as coisas que eu desejava não tinham origem em mim mesma, mas sim na minha tela.
“Tomamos emprestado nosso desejo do Outro, em um movimento tão fundamental, tão original, que o confundimos com a vontade de sermos nós mesmos", René Girard, em trecho publicado no livro "da Liv Strömquist.
A internet nos dá essa falsa sensação de proximidade com desconhecidos e isso é um prato cheio de oportunidade para a publicidade. Não existe autenticidade quando nosso consumo é algorítmico e comprar as coisas que as “nossas influencers” usam (ou melhor, “curam", porque curadoria é o termo da moda) não é muito diferente de receber um e-mail marketing com indicações baseadas nas suas últimas compras. Não é por acaso que as pessoas estão usando as mesmas coisas. Mas o que eu acho interessante é que mesmo eu sabendo de tudo isso, mesmo eu trabalhando com publicidade - e fazendo uma série de ações com influenciadores, ou seja, sabendo muito bem como a banda toca - eu caio nesse mesmo discurso. Porque a ação de marketing entra no âmbito da emoção, do desejo reprimido de ser enxergada como eu enxergo as pessoas que sigo. No final, a gente só quer pertencer.
Quando vira uma relação parassocial
Vez ou outra eu faço uma limpa no meu Instagram e o motivo é o menos nobre possível: geralmente é quando começo a sentir inveja da vida inalcançável de alguém. E com essa inveja, vem também uma autocomiseração horrorosa que eu odeio sentir. Na gravidez, comecei a seguir uma influencer linda, rica, mais ou menos da minha idade, que estava grávida de gêmeos. A vida dela era perfeita, ainda que sua abordagem nos stories fosse próxima, quase como uma amiga que vivia os mesmos perrengues que eu. Por estarmos mais ou menos com a mesma idade gestacional e vivendo toda a peleja de exames pré-parto, preparação para a chegada do bebê, chegada das crianças, amamentação e etc, criei uma relação parassocial com ela. Comprei o mesmo móbile musical. Comprei a mesma marca de óleo para a barriga. Pedi no mesmo delivery. Usei seu código de desconto para fazer compras. Comprei até o mesmo corte de carne, por deus do céu. Gerard, corre aqui!
Porém, quando minha filha nasceu, a disparidade entre o nosso padrão de vida ficou escancarada porque saiu um pouco do âmbito de consumo e foi para o lado de comportamento. Enquanto ela podia curtir eventos glamourosos, viajar sozinha, dormir a noite toda - mesmo com gêmeos(!!!) -, ter dates com o marido e contar com a ajuda quase em tempo integral das amigas sem filhos e dos pais, eu vivia com uma bebê agarrada em mim 12 horas por dia, com privação de sono, e sem nenhuma previsão de quando eu poderia pisar fora de casa de novo. Foi desesperador.
É claro que todo esse sentimento foi potencializado pelos meus hormônios e pela depressão pós-parto (falei disso aqui), mas quanto mais essa influencer, com quem me conectei tanto, vivia coisas extremamente distantes de mim, mais eu me sentia fracassada, mais me perguntava “por que todos vivem perfeitamente bem depois do parto, menos eu?". Mesmo sabendo que eu estava julgando uma única pessoa com uma vida extremamente privilegiada, não conseguia não fazer essa generalização bizarra. Ela virou o meu “todo mundo” e sua vida virou a representação de como eu “deveria viver".
Quando me dei conta dessa visão deturpada da realidade, entendi que tinha chegado a hora: dei unfollow. Então, meu parâmetro irreal de comparação desapareceu do meu conteúdo diário e me fez um bem enorme nos primeiros meses da maternidade. Loucura, né? Mas é meio o impacto que as redes sociais têm em mim — às vezes, me fazem rir com um vídeo despretensioso, mas às vezes também me dizem que nada do que eu tenho é realmente bom e que tem sempre alguém vivendo melhor.
No fim das contas, a internet é como se fosse o Espelho da Branca de Neve. Não basta o que a gente enxerga nele, o que importa é a aprovação de um terceiro e, quando nos damos conta, estamos perdendo um tempo que não volta ao tentar alcançar um ideal que nem era nosso para começo de conversa.
Lista de coisas que eu comprei e/ou fiquei obcecada por causa das pessoas que eu sigo no Instagram:
Olga Ri
Roupas da Insider
Mindset C&A (ficava obcecada a cada coleção e, quando via, tinha várias peças com etiqueta em casa)
Paisage
Blusa Jouer Couture
Vestido de cetim “alfredo que me encontre”
Cosmo Rio
Óculos Zerezes de lente alaranjada
Jaqueta de R$ 600 de PU vagabundo, da Zara
Vic Beauté
batom Fenty Beauty (que eu usei duas vezes porque ele mancha absolutamente tudo)
adidas Samba
Dica de leitura que mais ou menos tem a ver com essa edição e também um pequeno jabá do meu projeto de maternidade:
→ Todos os links dessa edição são do meu perfil de associados da Amazon, isso significa que eu ganho uma pequena porcentagem da sua compra. Considere usá-los, caso o item te interesse. <3
Se todos lemos os mesmos livros, assistimos os mesmos filmes e série, ouvimos as mesmas músicas, compramos e usamos as mesmas coisas, o que resta de individualidade?
(ainda estou impactada por essa frase que ouvi em algum lugar)
passando mal que comecei a me identificar aos poucos no texto, sem querer admitir, e aí bem no final você citou uma marca específica de maquiagem que eu fiquei "OH MY, eu realmente comprei isso só por causa de influencer no instagram! e parando pra pensar... nem precisava e tinha coisas parecidas em casa já!" socorro. obrigada por compartilhar essa reflexão <3