Para ler ouvindo: One Too Many Mornings - Bob Dylan
1.
Descobri lendo O perigo de estar lúcida, da Rosa Montero, que os escritores têm três vezes mais chances de padecer de depressão do que pessoas não criativas. O livro, que é um grande apanhado de pesquisas sobre o tema e sobre a vida de grandes autores, como Sylvia Plath e Virginia Woolf, me interessou por elucidar essa associação direta entre a escrita e o trauma. Grifei o livro inteiro, me sentia lendo algo feito pra mim, bem como a autora relatava se sentir ao fazer suas pesquisas. Segundo as pesquisas de Rosa, a grande maioria das pessoas que escrevem perderam violentamente o mundo da infância e que, para lidarem com esse trauma, deixaram de ser crianças. Quando li essa frase, me debulhei em lágrimas porque foi quando eu entendi uma coisa crucial em toda a minha existência:
eu, que sempre pensei que vivia para escrever, na verdade, escrevia para viver.
Eu lembro a primeira vez que ouvi a palavra depressão: foi com a minha mãe deixando ela escapar de sua boca enquanto justificava sua vontade de “sumir e largar tudo” para uma amiga na sala de casa. Sempre fui uma criança muito na minha, vivia em meu mundinho de um jeito tão profundo que as pessoas não se importava em dizer certas coisas na minha frente porque eu raramente ouvia — pelo menos achavam isso. Nesse dia, eu saí dessa minha bolha ao ouvir uma nova palavra que ainda não tinha significado próprio, mas que eu consegui a compreender tão logo chegou aos meus ouvidos. Ah, então era depressão, aquilo.
2.
Em 2014 eu tive minha primeira grande crise diagnosticada, mas olhando para trás, eu acredito que viva com a depressão desde a infância. Sempre me categorizaram como uma criança melancólica. Fazia sentido: desde que me conheço por gente eu sempre sinto uma tristeza profunda. Talvez por ter crescido com ela, eu nunca tenha a visto como algo diferente, afinal, a tristeza sempre esteve comigo.
Foi só em 2014, porém, que eu comecei a sentir ela no fundo dos meus ossos a ponto de perder todas as vontades da vida, inclusive de comer. Nessa época, a popularização da terapia ainda era pequena, pelo menos no interior, e se consultar com um psiquiatra era admitir que você tinha enlouquecido - e ninguém enloquecia com 22 anos, pensava. Minha mãe tinha um Rivotril (outra palavra que sempre ouvi muito em casa) perdido na sua caixa de remédios, tomei escondido e foi assim que voltei a dormir. Foi maravilhoso, embora paliático. O quadro depressivo só melhorou, mesmo, quando eu tomei duas grandes decisões na vida: ir a um psiquiatra e terminar o meu relacionamento da época. Ir a um psiquiatra, então, virou algo recorrente na minha vida.
Longe de uma relação destrutiva e com um tratamento adequado, consegui retomar o gosto pela vida. Voltei a comer bem, bastante, a sentir fome e a me deliciar com uma refeição. As coisas não tinham mais gosto de papelão ou sola de sapato. A vida tinha cor, aroma e possibilidades. Fiquei tão bem que me mudei de cidade, engordei vários quilos, me relacionei com várias pessoas e tinha confiança para construir esses laços. Eu era invencível, sentia que nada poderia me abalar e nada realmente me abalou até 2019, quando eu tive meu segundo grande quadro. Melhorei em 2021, tive novamente em 2022, no pós-parto, e então eu entendi que a depressão sempre me acompanharia. Que não é um estado, mas uma condição.
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3.
Segundo a psicóloga Lola López Mondéjar, “a saída criativa tem sua origem num encontro precoce com o traumático” e por isso, ler esse livro despertou uma série de iluminações sobre a minha construção como indivíduo. Se hoje escrevo da forma com que escrevo, é porque meu encontro com o trauma, ainda muito cedo, me levou para esse caminho como um meio para a sobrevivência. A tristeza corrói mesmo quando ela encontra um vazão na escrita.
Eu escrevo desde os meus seis anos de idade. Infelizmente, eu não tenho nenhum dos meus antigos diários porque eu tinha pavor de ser lida e, então, assim que eles acabavam eu os jogava fora. O medo de alguém ler o que eu sentia me fazia partir para aventuras como queimar as páginas na boca do fogão, ou abrir a sacola de papel higiênico e colocar o meu diário ali, onde ninguém mais enfiaria a mão para pegar. Meus escritos já foram usados em juizado no processo de guarda; foi com cartas que consegui cortar relações com familiares próximos; foi por meio de anotações sobre a vida que eu consegui sobreviver a ela.
4.
Venho do futuro dizer que melhora, se você entende que viver com depressão é como andar em uma montanha-russa, só que com emoções desproporcionais. Tem descidas mais fundas que outras, mas hoje temos conhecimento suficiente para ao menos tentar sair deles. Por aqui vem funcionado, mesmo que eu continue odiando fazer terapia e ache todo esse papo de superação um saco. Estou aqui e hoje está tudo bem. Sigo lidando com meus anseios da forma que consigo, uns dias tiro de letra, em outros quero dissociar o máximo possível. Mas vou indo… Um dia de cada vez e escrevendo sempre, o tempo todo.
Para viver e para sobreviver.
Eu estou…
Lendo: Acreditem ou não, estou lendo Jane Austen pela primeira vez. Claro que escolhi Orgulho e Preconceito e estou muito feliz por não ter seguido a linha cronológica da autora porque finalmente posso fazer piadinhas sobre a declaração de amor do Mr. Darcy chamando a Elizabeth de pobre imunda. É uma leitura lenta e com muita conversa, mas confesso que apesar não ser muito dos romances de época, estou gostando bastante. Uma coisa que me pega muito é pensar que essa mulher escreveu tudo isso em 1813. Algumas passagens são tão atuais e Elizabeth é tão progressista que é quase bizarro pensar que já tem 200 anos que isso tudo foi escrito.
Vendo: Estou revendo Gilmore Girls porque né, eu sou mãe, moro em uma cidadezinha que me lembra Stars Hollow e achei que seria o momento perfeito para rever. Rory não é irritante, Jess acabou de chegar e a vida ainda é boa. Quando eu chegar em Yale, volto para desabafar sobre a raiva sentida.
Recados finais
☕️ Um café por uma programação especial
Como prometido, agora terei conteúdos especiais para quem apoiar a newsletter. Por menos de um café com leite de aveia, você receberá mensalmente algo especial, como um diário de leitura, um convite para um clube de escrita, enfim. Para abril, mandarei uma zine exclusiva (e linda) para os apoiadores. O tema eu conto na primeira edição da news para os apoiadores.
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E é isso. Sigo sem Twitter, mas você pode me encontrar no Instagram, no Goodreads ou na minha Now Page. Nos vemos em breve! :)
Achei o post fantástico e fiquei com vontade de ler esse livro pq eu sempre escrevi desde criança também, e diferente de vc por não queimar meus diários tive mtos BOs com a minha mãe q invadia muito meu espaço. Depois de um último episódio de invasão eu parei com os diários, e aí qdo entrei na faculdade criei o meu blog (pq lá todo mundo podia ler mas ela não hehehe) mas claro que eu nunca era tão honesta sobre sentimentos como era com as páginas do diário. Pra falar dos sentimentos escrevia poesia, ainda escrevo. Hoje em dia não as jogo mais fora, posto no meu IG pros românticos e melancólicos de alma como eu. E cara, o "escrevo pra viver" nunca fez TANTO sentido.