Sobre relações horríveis que a gente romantiza no final
Um texto sobre o livro A Idiota e outros relacionamentos tóxicos
Vocês acompanharam todo a minha romaria lendo A Idiota. Foi uma das piores experiências literárias que eu já tive na minha vida e isso não é exagero. Acho que odiei ler esse livro mais do que eu odiei ler Lua Nova, que até então, tinha sido o primeiro livro que me deixou enraivecida a ponto de fechar e nunca mais abrir. Infelizmente, lia A Idiota no Kindle e abri-lo e vê-lo livro ali, com sua porcentagem na minha cara e com a etiqueta de “Não Lido” pregada na capa acabava com a minha vida, de modo que foi impossível largar essa bomba. Eu já tinha registrado todo o progresso no meu Goodreads, sabe? Então, li até o final.
E foi horrível, como vocês bem sabem.
“A eterna mendiga no mercado de ideias e do mundo, eu não tinha nada a ensinar a ninguém. Eu não tinha nada que ninguém quisesse. Reli o e-mail do Ivan e olhei na cara dessa indignidade terrível.” - Selin, sobre si mesma.
Acabei ontem e, quando eu finalmente fechei o livro (metaforicamente, porque, novamente, eu li no Kindle) eu senti um vazio, um certo remorso e uma extrema simpatia pela protagonista que eu tanto detestei. Isso me lembrou alguns outros relacionamentos que foram horríveis em toda a sua duração e que, quando acabaram, me deixaram um vazio, um gosto ruim na boca e uma eterna indagação: no final, será que foi tão ruim mesmo?
Não fosse o meu registro escrito sobre essa leitura (inclusive aqui), eu teria esquecido. De fato, e começo e a última parte do livro - da entrada da Roszá em diante, o que significam no máximo 100 páginas de um calhamaço de 530 e tantas - foi mais divertida e a última interação da Selin com o Ivan foi um quase alguma coisa. Mas seria justo eu definir essa experiência maçante e tortuosa por menos de 100 páginas que foram quase divertidas?
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A série How I Met Your Mother envelheceu mal, eu sei, mas tem algumas boas coisas que sobreviveram ao tempo. A teoria dos óculos de formatura é uma delas e ela resume, talvez, esse meu sentimento misto com A Idiota. Na série, o Ted tem um relacionamento horrível e tóxico com a Zoe e, sempre que ele vai terminar, ele enxerga a situação com um filtro (daí os “óculos de formatura”) e não consegue fazer o rompimento porque se pergunta “mas será que isso é ruim mesmo?".
O nome da teoria não vem por acaso: é a exata sensação que tivemos no último dia do Ensino Médio. Toda a experiência da escola é um horror, mas no último dia de aula, enquanto vemos o slideshow com as fotos do terceirão ao som de “Pescador de Ilusões” d’O Rappa, sentimos um aperto no peito e realmente acreditamos que a melhor época das nossas vidas havia acabado. Tudo bem que você sofreu bullying quase 300 dias no ano, ou que as ansiedades pré-provas quase te matavam, com aquele filtro, tudo valeu a pena, ê ê.
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Escolhi A Idiota cheia de expectativas. A autora é colunista na New Yorker, o livro foi finalista do Prêmio Pulitzer e foi elogiado por pessoas que eu considero inteligentíssimas. Confesso que o fato dele ter 530 tantas páginas sempre foi um empecilho, mas um dia vi alguém que gosto (mas não lembro quem) falando do livro, eu estava sem nada na lista, comprei num impulso e falei “é agora".
E eu odiei cada segundo.
Primeiro porque não acontece absolutamente nada no livro. E tudo bem, porque às vezes eu gosto de livros onde nada acontece, tipo O Apanhador no Campo de Centeio (que é um dos meus livros favoritos até hoje), mas esse não deu. A Idiota é sobre Selin, uma estudante universitária de 19 anos tendo seu primeiro amor. Só que não só nada acontece, como ela não se comunica, ela é insuportável e é horrível ler 530 páginas de uma narradora tão entediante. Ela mal conversa com o seu interesse romântico, ainda que ela faça um voluntariado na Hungria por causa dele. Os diálogos são infernais (vocês lembram do exemplo do garfo?) e me parece que muitas das frases foram feitas para serem grifadas.
Achei um livro longo que poderia ter sido resumido na metade, extremamente pretensioso e que apesar das críticas cabeçudas falarem que é de um humor refinado, é chato pra cacete. Pretendia ser engraçado, pretendia ser intelectual, pretendia ser interessante e foi só detestável.
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Quando terminei um relacionamento horrível, aos 23 anos, me perguntei se ele foi realmente tão ruim quanto eu imaginava. Não fossem meus registros diários do quão infernal era viver naquele namoro, eu teria duvidado dos motivos que me levaram ao término. O mesmo aconteceu quando eu saí de um trabalho que me levou a uma crise de pânico pesada e ao retorno do meu quadro depressivo depois de anos, em 2019. Quando tudo passou, me perguntei se não tinha exagerado.
Tinha?
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Selin é uma espécie de Rory Gilmore, só que tentando ser retratada como nos clássicos russos, mas também com um quê de Lindsay Lohan em Meninas Malvadas. O livro é repleto de passagens em que está claro que a autora quer mostrar o quanto ela é inteligente e isso me deixava com muito bode. Eu lia e falava “ok, entendi que você estudou linguística e que lê Chomsky, mas vai, volta e continua a maldita história" e isso tudo ia tornando a leitura cansativa, difícil. Era um eterno rolar de olhos.
Tem uma parte em que temos o texto/narrativa intercalada por uma outra história, a história que Selin, a protagonista e narradora, está lendo na aula de russo. Eu li achando que seria uma metáfora do que ela estava vivendo paralamente. Que teria algum tipo de importância na história, mas não. Era só mais um adereço textual da autora. Acho que posso resumir esse livro dessa forma: um calhamaço cheio de adereços textuais que em nada acrescentam na história central. Páginas e páginas para não chegar a lugar nenhum.
Mas ao mesmo tempo, penso: o que colocar, a não ser essas firulas, em uma história onde nada acontece feijoada?
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Mas tem quem gosta. E tem quem fale muito bem. A Anna Vitoria fez um ótimo texto falando sobre o livro e o relato dela era tão bom que me fez até enxergar a história com bons olhos. Sem surpresa, o fato de pessoas que admiro terem gostando tanto de algo que eu detestei na mesma medida, me deixavam aflita. Eu pensava: “será que sou burra e tinha algum subtexto que eu não peguei?", mas depois, com essa newsletter da Tati, pensei muito sobre a performance que a gente tenta desempenhar para os outros. Logo, assumi: eu não gostei. Simples assim.
Por mais que eu tenha tentado florear essa experiência e que ao encerrar a leitura eu tenha visto toda a experiência com óculos de graduação, no final, foi só ruim e pronto. Assim como relacionamentos ruins, trabalhos horríveis e outros percalços que temos na vida, esse momento dificilmente ele será esquecido. Mas também, de uma forma ou de outra, me trouxe algum tipo de aprendizado.
E no meu caso, é que gosto realmente é igual cy.
Coisas que eu vi e amei:
Infelizmente, a maioria dos links estão em inglês. Vou tentar melhorar isso nas próximas! :)
🤖 Essa história ilustrada fazendo um paralelo entre o aprendizado de linguagem de uma criança com a machine learning e o Chat-GPT tá uma coisa linda. Comecei curiosa e terminei chorando. Em inglês, na New Yorker.
🎥 Eu assisti Love Actually já mais velha e, quando vi, não achei nada demais. Pior ainda: achei ruim, mas entendia que esse era um daqueles filmes que você não pode falar mal. Então, esse crítico escreveu esse texto e eu me senti finalmente representada.
📖 A Alexa Chung dando 40 dicas para a vida, para comemorar seus 40 anos. Não à toa foi a nossa primeira it girl.
📚 Para lembrar de outros livros “em que nada acontece", recorri ao Google e descobri essa listinha aqui no Reddit. Se você curte livros assim, vale anotar.
📱 Essa última edição da Revista Gama está imperdível, mas essa lista de livros infantis para falar sobre temas difíceis com crianças é pra salvar e reler sempre.
→ Ainda nessa edição, essa matéria sobre o uso de telas também é obrigatória.
Eu estou…
Lendo: Desde que terminei A Idiota, meu ritmo literário simplesmente decolou. Desde então, li A Filha Perdida (meu deus, eu preciso escrever apenas sobre esse livro!), Noites Brancas do Dostô1 e agora estou lendo O Clube dos Jardineiros de Fumaça, vencedor do Prêmio Jabuti de 2018, da Carol Bensimon, e A Outra Filha, da Annie Ernaux.
Vendo: Tão logo terminei A Filha Perdida, corri ver a adaptação com a Olivia Colman, na Netflix. O filme é uma ótima adaptação, mas nem por isso um filme excelente. Claro que no quesito atuação Olivia é indiscutível, mas algumas cenas me deixaram incomodada (e levemente constrangida) com a execução e algumas coisas não funcionaram na americanização dos personagens. Mas enfim, num geral, é um ótimo filme.
Beijos e até a próxima,
Michele.
<3
Essa edição tem uma videoaula com o Lucas Simone, doutor em literatura russa pela USP, tem vários textos e análises e interessantes e é uma edição lindíssima.