Sobre o maior medo do mundo
Minha filha faz 1 ano hoje e com isso eu descobri que sou invencível
1.
Sempre me falaram do amor, nunca do medo. Pra mim, o medo veio antes de tudo. Absolutamente tudo. Quando o positivo apareceu no exame e caiu a minha ficha de que eu estava grávida, a primeira coisa que senti foi medo de perder aquela projeção de bebê. Não foi medo de não dar conta, medo do futuro ou qualquer outro medo racional. Imeditamente eu tive medo de ficar sem aquele ser que ainda não tinha nem 4 semanas ou cérebro. Minha melhor amiga havia passado por um aborto espontâneo há um tempo, eu sabia que as chances eram altas e eu definitivamente tinha feito tudo de errado em um início de geração. Deus protege os desavidados, disseram.
Vivi uma ansiedade absurda até os 3 meses porque, depois desse marco, as chances de “tudo dar certo” aumentavam. Escrevi muito sobre esse medo porque eu não conseguia entender o amor que eu sentia por um saquinho do tamanho de uma blueberry. Era irracional, inexplicável e fulminante. Conheço mães que não sentiram esse amor todo mesmo com o bebê nos braços - o que é normal, também - mas comigo foi imediato.
Amava minha filha com todo o meu ser desde o momento zero.
2.
Depois, na gestação, os medos passeavam por diferentes categorias. Medo do parto. De amamentar. Do puerpério. De não dar conta. Do meu casamento acabar. Nada comparado ao fatídico dia do parto, onde depois de mais de 12 horas de trabalho de parto, eu tive medo de não conseguir trazer minha filha para esse mundo nada hospitaleiro, mas ainda assim interessante e bonito, de vez em quando.
Foi aqui que eu descobri que era invencível, apesar de tudo.
3.
Paradoxalmente, o 11/10/22 foi o melhor e o pior dia da minha vida. Nada, absolutamente nada te prepara pra um parto. Eu vi todos os documentários existentes, fiz fisioterapia pélvica, escolhi música, combinei tudo com meu marido, mas nada te prepara verdadeiramente para esse momento. Foi a experiência mais horrível da minha vida (meu marido, que ficou consciente o tempo todo, compartilha da mesma opinião), mas quando Maria nasceu, às 3h06 da manhã depois de um trabalho que começou na segunda-feira às 8h, vivemos os mais intensos e incríveis 30 segundos das nossas vidas.
E de um jeito ridiculamente clichê, cafona, brega, sem-graça… Tudo valeu a pena. Fez sentido. Aquela dor lancinante e insuportável valeu a pena porque me trouxe aqueles olhões de jabuticaba que me fitavam atentos e ressignificaram tudo o que eu conhecia.
4.
Quando Maria finalmente nasceu, foi como se apenas nós 3 existíssemos naquela sala. Entramos em um vácuo. Não existia som a não ser o choro dela. Não existia nada a não ser aqueles olhões observando a gente. Éramos nós três no universo inteiro e escrever sobre isso me faz voltar para esses 30 segundos de congelamento de tempo que configuram a experiência mais incrível de toda a minha existência. Eu juro que não queria ser essa mãe, a que fala que é mais feliz depois da maternidade ou cuja existência ganhou um novo significado etc etc, mas é isso, eu sou.
Tudo mudou depois de Maria Clara. E já tem um ano.
5.
Depois, vivi os piores dias da minha vida. Nada te prepara para os primeiros dias de um primeiro filho. Experienciei o maior medo da minha vida duas vezes, quando ela teve dois episódios de engasgo. Foi feio, chegamos muito perto de algo horrível ter acontecido. Ganhamos um trauma e não conseguimos mais dormir. Durante os primeiros 3 meses de Maria, ela nunca dormiu desacompanhada. Fomos para a casa dos pais do meu marido e fazíamos ronda para ficar velando o sono da bebê. Eu dormia das 21h às 2h da manhã, quando trocava de lugar com a minha sogra. Ficava acordada das 2h às 5h30, quando João trocava de lugar comigo. Ele ficava até às 9h ou 10h. Foi horrível. O medo que eu sentia de perder aquela que já era tudo pra mim me fazia definhar. Meu puerpério foi forjado no terror. Felizmente, tive apoio, rede de apoio, ajuda, babá noturna e tudo o que era possível ter para esse medo passar. Não passou. Acho que não vai passar nunca.
Mas melhorou bastante.
6.
Os medos mudaram. Minha mãe me disse que ter filho é ter medo. Mas principalmente, é aprender a viver com ele. Hoje eu sou muito mais forte. Atenta, também, quem diria. Sinto que nada pode me parar. Eu passei por um parto, mas também passei por um ano inteiro criando um ser humano lindo, esperto, incrível. As coisas melhoram a cada dia. Ficam menos difíceis. Os desafios mudam, sempre me disseram, mas são mais fáceis. Nada te prepara para os primeiros dias de um primeiro filho. Nada se compara com os primeiros dias de um primeiro filho.
E é por isso que eu sou invencível.
Sobre o que é ser mãe, afinal
Acho que é sobre acostumar a tomar café frio. Ou a sentir todas as coisas do mundo do jeito mais intenso possível em um único segundo. É não ter escolha, mesmo que aquele lugar tenha sido escolhido. É ser grata por ter todo aquele amor. É descobrir sentimentos nunca vividos. É tentar dar nome ao que é sentido, mesmo que não faça sentido. É se preparar para tudo ao mesmo tempo em que se sente extremamente despreparada. É amar sem esperar nada em troca. É repetir todos os dias que aquele amor é o maior do mundo, mesmo. É agradecer por viver todo o caos, ao mesmo tempo em que sente um pouquinho de saudades de ter tempo para não fazer nada. É sentir falta do tempo para não precisar planejá-lo. É sentir de um jeito descabido. Desmedido. Desastrado. É viver mil tempestades em 12 horas. É sentir o maior medo já sentido. É sorrir da forma mais profunda e sincera. É amar. Desmedida e desesperadamente. É sobre reproduzir clichês. Vivê-los. É sobre ser. Mais do que qualquer outra coisa.
das notas perdidas do celular. 15/5/23
Essa news foi mais pessoal porque não tem como não segurar a emoção do primeiro ano da minha filha. Então, para posteridade: feliz Ano 1 para a maior imitadora de elefante do mundo inteiro! 🐘 É um privilégio ser mãe da menina mais legal do planeta.
(e é bonito demais acompanhar um ser humano se tornar ele mesmo).
Realmente, Michele, 'é bonito demais acompanhar um ser humano se tornar ele mesmo'!
Parabéns para a mãe mais coruja e poética dessa plataforma! Q texto mais fofinho Mih!