Sobre as coisas que fazemos pela última vez
A gente nunca sabe quando vai ser a última vez que fazemos algo
Para ler ouvindo: Seasons - Future Islands
Estava saindo com a Maria e o João para o parquinho que tem na frente de casa. Um segurando a criança ansiosa para ir correr, o outro segurando a bicicleta, um dos dois com a sacola cheia de giz, snacks, garrafa de água e uma bola, sabe Deus quem com o capacete. Sair com criança é sempre uma aventura, mesmo quando é para um lugar a poucos passos da sua casa. Viramos polvos cheios de tentáculos tentando segurar tudo o que um mini ser humano de 1 ano e meio precisa para seus próximos 30 minutos de atividades básicas. No meio desse trajeto caótico, uma garota de uns 20 anos, com roupa de academia, botas UGG e com apenas um copo Stanley em uma mão e o celular na outra, passou por nós. Com a despreocupação e leveza que só uma garota de 20 anos tem, acenou um “oi” meio aérea e entrou no carro da amiga que a esperava na frente do prédio. Essa curta cena ficou na minha cabeça por várias horas (e dias) porque eu vivi aquela mesma situação incontáveis vezes na vida e, sem receber nenhum aviso prévio, uma dessas várias vezes foi a última.
E aí eu comecei a refletir sobre as coisas que fazemos pela última vez sem nos dar conta disso.
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Não me lembro quando foi a última vez que eu fui na Void com o Felipe, embora veja pelas recordações do Instagram que nossas idas até lá eram semanais. Não me lembro quando foi a última vez que eu recebi os meus amigos na sala da minha casa para assistirmos algum filme baixado ilegalmente por torrent. Será que foi quando vimos Frances Ha? Ou foi quando o Rafael baixou A Morte Lhe Cai Bem? Não me lembro do meu último café com a Fernanda ou com o Edgar, amigos com quem já comemorei Dias dos Namorados cheios de massa e de sobremesas. Não me lembro quando foi o último café no Felini com o Raul. Não me lembro quando foi meu último drink com o Akira, a última VHS que fui com Fefo e Oda e nem da última vez que saí para correr com a Júlia. Como assim todas essas coisas que aconteciam com tanta frequência pararam de acontecer? Quando foi que eu pude dizer adeus para elas?
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É meio agridoce saber que algumas coisas não voltarão mais, mesmo essas mais banais. É meio o que falei nessa edição aqui, sobre o carnaval de 2017: vira uma melancolia pelo que foi e não vai voltar coexistindo com a gratidão de ter aquela experiência como lembrança. Às vezes essas duas coisas ficam meio desproporcionais no setor dos sentimentos e quando você vê, está lá, morrendo de saudades da época em que você não tinha nada a fazer senão trabalhar durante a semana e ansiar os finais de semana sem compromissos. A saudade me traz questionamentos: tenho saudade do quê? Do descompromisso? Do silêncio? Do colágeno? Da euforia? Do som alto? Das séries maratonadas? Do sofá tomando o formato do meu corpo? De passar no Pão de Açúcar e comprar um vinho, um pão e, nos dias bons, um Ben & Jerry's de Cheesecake de morango? Da presença dos meus amigos tão efetivamente na minha vida? Talvez seja de tudo isso. Mas talvez seja também só um olhar saudosista sobre coisas que não voltarão e nossa tendência a sentir falta daquilo que a gente sabe que não volta.
“O senhor precisa aprender um pouco da minha filosofia: só pense nas lembranças passadas que lhe dão prazer” - Jane Austen, Orgulho e Preconceito
Desde que virei mãe1, percebo que olho muito dessas trivilidades com um olhar mais romântico, com uma grande saudade grande do que vivi. Quando viramos mães, nos tornamos uma nova pessoa e por mais que a anterior esteja ali, alicerçando tudo o que se transforma, nossos olhares são outros tão logo a criança sai da nossa barriga. Já vi outras autoras dizendo que não mudaram nada, que são o que sempre foram e etc quase como um grande manifesto pela permanência, mas eu, acostumada a receber o fluxo do tempo de muito bom grado e sem nenhum problema de entender que as coisas mudam, me peguei lamentando um pouco a velocidade dessas mudanças. Dizer que a maternidade não te muda é tão fantasioso quanto criar cavalos com asas e que dançam valsa. Entender o quê exatamente ela muda que é a grande poesia dessa jornada. Muda tudo, mas também reforça. Transforma, mas atenua. Ressalta, mas contorna. Virar mãe é enxergar um grande esboço que mistura o que você foi, o que você é e o que vai se tornar. Faz a gente enxergar passadopresentefuturo como uma só palavra. O hoje ganha um significado diferente.
O tempo se torna elástico. Ganhamos tentáculos. Nos tornamos invencíveis.
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Não me lembro quando foi a última vez que tomei uma cerveja no Bar do Português com o Iran. Quando encontrei com a Ana na Oficina de Macacos e dançamos qualquer brasilidade naquele enorme quintal arborizado. Que pedi um “Sedução” com a Erika no Porks. Não me lembro quando vi os meus quatro melhores amigos da faculdade juntos. Não me avisaram que aquela última partida de War na casa do Doon e da Tetty teria sido a última - talvez eu tivesse brigado menos com eles por causa do ataque a minha Europa, se eu soubesse. Não tinha ideia de que aquela vez em que a Bianca, a Hiandra e a Juliana vieram na minha casa ver um filme terrível e de enredo duvidoso teria sido a última vez que entrariam no meu quarto em Araçatuba. A vida acontece sem avisar. As coisas ficam pelo caminho sem a gente perceber.
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Esses dias vi um TikTok de uma mãe abraçando o filho, já com uns 4 ou 5 anos, falando algo como “você nunca sabe qual vai ser a última vez que vai pegar seu filho no colo” e eu não preciso dizer que me debulhei de chorar nos 15 segundos de vídeo, né? Corri abraçar a Maria, encher ela de beijos e apertões até que ela dissesse “Não-não!” com direito a dedinho em riste. Não que eu precisasse daquele TikTok para entender que o tempo voa, até porque viver com uma criança é basicamente enxergar o extraordinário no que é corriqueiro e entender a força da efemeridade. Mas esses lembretes sempre batem forte por aqui. Talvez bata por aí também:
A gente nunca sabe quando faremos coisas que amamos pela última vez.
E essa é uma das coisas mais bonitas e tristes que a gente aprende no decorrer dessa longa jornada.
Falando nisso…
✹ Desde que assisti ao filme About Time pela primeira vez (e eu devo ter visto umas 456), penso muito sobre essa cena, onde ele fala que o segredo da feclidade é enxergar a beleza dos dias como eles são. É basicamente a última cena do filme, então se você não viu, não recomendo dar o play (apesar de eu já ter te contado o final). Entretanto, o filme é muito mais que isso, então vale ver:
✹ Quantas vidas a gente vive em uma vida? Esse artigo gigantesco da New Yorker fala sobre as diferentes pessoas que somos no decorrer dos anos. É lindo, imenso e acho que já indiquei em alguma newsletter passada, mas como sempre acabo voltando pra ele, achei pertinente trazê-lo novamente.
Eu estou…
Lendo: Lendo o calhamaço de quase 800 páginas Jane Eyre. Comprei ele há milênios, comecei a ler e desisti por conta da quantidade de páginas (é, pois é). Porém, foi o livro escolhido no Lendo Gilmore Girls (um clube do livro que lê os livros citados na série) e aproveitei a divisão de capítulos criadas pelo clube para finalmente tirá-lo da minha lista. Já li 300 páginas e não cheguei nem nos 40%. Gostoso demais!
Vendo: Gilmore Girls e, com o olhar mais maduro e de uma mãe, acho que entendo quem odeia o Jess porque nessas temporadas (3 e 4), não fossem os quotes sobre livros e a troca intelectual com a Rory, ele seria intankável. Basicamente, o único homem decente dessa série é o Luke, porque nem o Richard se salva! — estou finalizando a quarta temporada, Logan ainda não existe, Rory ainda é legal, a vida ainda é boa.
➡️ Atenção para o Jabá em 4 segundos
Se você é mãe ou simpatizante, vai gostar de saber que tenho um outro projeto de news, focado 100% em mães e maternidade. O Teta à Teta começou como um perfil de Instagram, mas diante da minha incapacidade de fazer artes que eu realmente goste, descobri que ele nasceu para ser uma newsletter e, sempre assim, ele virou uma. Na segunda-feira vai sair a terceira edição dele, falando sobre Depressão Pós-Parto. Você pode assinar aqui:
Recados finais
☕️ Um café por uma programação especial
Por menos de um café com leite de aveia, você receberá mensalmente algo especial, como um diário de leitura, um convite para um clube de escrita, além de edições exclusivas num formato mais de diário. A primeira rolou na semana passada e se você quiser ler (e fazer um upgrade em sua assinatura), você pode clicar aqui:
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Eu preciso começar a contar quantas vezes eu escrevo essa frase nas minhas newsletters. Chutando baixo, deve ter umas 3874 vezes.
"Transforma, mas atenua. Ressalta, mas contorna. Virar mãe é enxergar um grande esboço que mistura o que você foi, o que você é e o que vai se tornar."
Poesia pura e genuína em prosa. Mi, que talento viu! Foi muito gostoso ler suas reflexões e acho absurdamente bizarro o quanto você reflete sobre coisas que eu reflito também embora nossas realidades sejam completamente diferentes. Acho q se tivéssemos estudado junto, trabalhado junto ou até mesmo morado perto teríamos nos tornado best friends.